segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Sábado foi embora a minha segunda mãe.
Agradeço a Deus por te ter dado forças para conseguires ver toda a gente. Foste a mais mimada naquele hospital. Toda a gente foi lá para te ver e para tu os poderes ver. E viste. E isso enche-me de paz.
Enche-me de paz saber que o avô estava à tua espera. É uma certeza que eu tenho.
Que já não estás a sofrer. E que agora estás a olhar por todos nós.

Mas não consigo parar o choro.
Porque agora não consigo ouvir a tua gargalhada. Agora não consigo ouvir-te dizer " Estás uma boneca". Porque o meu Natal nunca mais vai ser o mesmo. Porque o meu peito está apertado. O meu estômago embrulhado. E eu só queria que te tivessem dado todo o cuidado do mundo. E não deram.  Queria que não tivesses ido mais de 12 vezes às urgências, para perceberem que tinhas um problema. Não é justo teres sofrido tanto. Não é. E não consigo evitar sentir esta revolta.
Querer mandar tudo e todos à merda.

Porque eu quando vim para saúde, queria tratar as pessoas como eu gostava que tratassem os meus. E tu não sabes. Mas às vezes, quando tenho um velhote lá na sala, penso em ti. Para o tratar o melhor que eu sei. E dói muito saber que não te deram o melhor tratamento possivel. Que para eles foste só mais um.

Cada vez que fecho os olhos, lembro-me de tudo o que posso de ti. Tenho medo de perder estas lembranças e de um dia me esquecer da tua voz e da tua cara. Isso aterroriza-me.
Porque não me quero esquecer.
Não me quero esquecer das febres com a toalha fria na testa.
Das vezes que me ias buscar e levar à escola. Dos almoços.
De quando me ralhavas por andar a estragar o jardim ou a 'lavar os pintos'.
De todas as vezes que me " tiravas o cobrante". Ou mesmo sempre que era obrigada a ver o João Baião tarde, após tarde.
Não me quero esquecer das vezes em que nos davas um prato de arroz para podermos atirar na procissão. Ou do dia de finados, quando chegávamos lá a casa para despejar os sacos.
Das tardes a comer bolachas de água e sal com água e açúcar. Dos gomos de açúcar amarelo que sempre que posso ainda roubo.
Ou de quem me garantiu que nas novelas aquilo eram tudo efeitos especiais e que os beijos a sério não existiam.
Do " Não te preocupes filha, que eu também já fui muitas vezes cortada", antes da minha operação.
Ou quando mentiste à minha mãe, para me protegeres e tentares evitar que eu levasse uma sova.
Das tuas iscas de fígado, aquela batata frita, o ovo estrelado, o teu cozido ou o feijão com couve. Os nógados ou as filhós. Nunca ninguém as vai voltar a fazer como tu.
Queria voltar a ser criança só para te poder ter como avó outra vez.

Mas isso não é possível.
E um pedaço de mim partiu.
És a minha avó preferida. Vais ser sempre.

" Deus te dê sempre saúde e ajuda para conseguires ser feliz"
Eu não sei se vou conseguir.
Espero que sim.
Obrigada por tudo avó.
Não sabia que melhor forma de dizer tudo sem ser a escrever.

Lembraste quando eu te tentei ensinar a escrever? E a V. a seguir?
Sabias bem. Era preguiça.

Descansa. Mas dá um olhinho por nós está bem? Sempre foste a cola desta família.
Eu vou ficar por cá, a tentar não esquecer da última vez que senti calor em ti e da última vez que te apertei a mão.

Obrigada por tudo. Por todo o amor que me deste. Por toda a paciência. Por me ensinares. E porque parte de ti ainda vive em nós.

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